8/30/2014

Aniversário do Pedrão

O avô de vocês é de poucas palavras quando o assunto é afeto, mas em compensação, de muita atitude. Ele se apegou a algumas máximas direcionadas para circunstâncias específicas, e vem repetindo-as como um mantra, ao longo da nossa caminhada, me dando a direção, me explicando o funcionamento das coisas da vida. 

Uma das que eu gosto mais é: 
“... se você descobrir que ao longo da sua vida você tem um amigo, saiba que esse amigo sou eu...”

Parece uma ameaça. mas eu gosto porque ele tem provado isso e porque eu tenho a mesma certeza com relação a vocês, meus filhos.

 
Hoje é um dia muito especial. Hoje você, Pedro Coragem de Carvalho, faz 06 anos de idade!!! Uma data bastante emblemática na irmandade da nossa família, pois essa é a diferença de idade entre eu e a sua tia Dezza, entre a sua irmã Pietra e você e, agora em última mão, entre você e o Davi, filho da sua tia Dezza que nascerá em Dezembro de 2014. Ainda não sei o que isso significa, mas tenho a impressão que é o tempo que temos para fechar nossos mini ciclos de vida. Um dia espero entender e escrever sobre isso. 


Bem, sei que você não vai ler isso agora, pois você ainda está mergulhando nesse universo de letras, palavras e frases, então eu, me aventuro, jogando essa garrafa, cheia de sentimentos profundos, com a plena certeza de que um dia, sei lá quando, você vai encontra-la e vai lembrar de mim! 

Li um texto, que de certa forma exprime um pouco do que eu gostaria de te dizer:
“...Tudo isso é para dizer a você que o mundo é um jardim de rodas gigantes, meu filho. Sabe aquela roda gigante do parquinho? Cada um de nós é uma delas. Somos todos rodas, rodinhas e rodonas rodando pela vida, revezando instantes lá em cima e lá embaixo, embarcando nas outras pessoas, em seus grandes círculos iluminados e em movimento, subindo e descendo.

Vez ou outra, estamos lá no topo da roda. No lugar mais alto, de onde dá pra sentir o sol mais perto, queimando nossa testa com o fogo de existir. Dali de cima dá pra ver a cidade inteira, as casas e os prédios como miniaturas de um brinquedo e as pessoas pequenininhas lá embaixo. Às vezes a roda para justo quando a gente está lá no alto. E isso é um presente. Tudo fica suspenso, o mundo congela no instante supremo, você segura o xixi e não pensa em mais nada. Porque tudo se resume àquele momento de grandeza, que, aliás, muita gente adora chamar de “paz”.

É quando sobra tempo de olhar devagar o céu e as nuvens. Dá tempo de procurar lá embaixo a direção da nossa casa. Tempo de curtir a paisagem como se o mundo todo fosse aquela sensação de desprendimento absoluto. Quando esse instante chegar, meu filho, aproveite!
Porque, claro, também há dias em que a roda gigante para com a gente lá embaixo, ou lá no meio. É quando a gente parece não ter muita importância. Quando estamos “em baixa”. Acontece. Assim como também chega a hora em que a gente deve desembarcar da roda e dar o lugar a outros passageiros.

É da vida, meu pequenino viajante. De todas as rodas gigantes do mundo, em pouquíssimas delas a gente tem cadeira cativa, perpétua, vitalícia. Quando isso acontece, a gente valoriza o quanto pode. E, olha, às vezes até esses lugares a gente perde.
Agora, tão importante quanto tudo isso é você valorizar as rodas em que embarcar. E nunca esquecer de que na sua roda gigante entra só quem você quiser. E fica só quem você escolher. Portanto, escolha direitinho e cuide bem dos seus passageiros.

Daqui, resta dizer que você é um dos meus passageiros preferidos. É por pessoas como você que esta roda segue rodando...”

Um feliz aniversário.

Com amor,

Papai.

8/09/2014

Aniversário da Princesinha

Pietra minha Filha!

Salve o dia 24 de junho de 2014!
Há doze anos, estávamos te aguardando, ansiosos e felizes e eu, pra variar, todo machão, disse que ia assistir ao parto, “pense num negócio” de louco é esse lance de parto. 
Começa que a roupa não dava em mim, tiveram que arranjar uma roupa dessas sem manga sabe? Tipo aquela que o George Clooney (tá, bonitão!!!), usava naquele seriado antes de ser famoso. 
Coloca a touca, veste a calça, bota a máscara... Quando olhei no espelho tava igual um médico mesmo, pensei que eu que ia fazer o parto e confesso que depois disso, quando eu bebia um pouco, cheguei a dizer nas rodadas que fui eu quem fiz seu parto ou o parto da sua mãe. A propósito esse nome não é adequado... se a "pessoínha" está chegando como é que pode ser parto. Devia ser "chego" ! Mas tratrei disso em outra hora, outro momento. Brincadeirinha, você me conhece e sabe como eu sou. 
Bem minha filha, quando começou, aquela sala tão gelada (não sei porque), sua mãe pronta, feliz e falante, eu comecei a ficar nervoso. Aquela dor do parto que você fala que ela sentiu, que você usa nos seus discurssos quando eu te peço pra morar comigo, sei não viu... Não vi isso.
 
Agora eu estava lá: verde, as pernas tremendo, suando frio. Minha missão era não desmaiar, tinha a incumbência de ficar atento, vigiando, de olho pra não te trocarem. Você conhece sua vó Lúcia, foi ela que me passou esse serviço.
Enfim, eis que você surge, nas mãos do médico! Aquele bebezinho todo perfeitinho! O mundo parou para mim naqueles segundos e a única coisa que veio na minha cabeça e eu consegui dizer foi: “É um milagre!!!”
Minha filha, é isso, agradeço a Deus pelo milagre que ele me concedeu que é você.

Fico feliz em ver a mocinha linda que você está ficando e mais importante do que isso, fico maravilhado poder acompanhar sua transformação em uma garota bacana, sensível, inteligente e dona de um senso de humor único e maravilhoso.
 
Abraços em todos por aí, na sua Mamãe (obrigado por tudo), ao Titio Veríssimo (obrigado), sua Didi (e minha futura comadre), aos seus vovós Lúcia, Riba, Lita e Hilário! Parabéns pra vocês também!!!
Te amo,

Papai.

7/01/2008

Entregamos bêbados em domicílio


(pelo amor de Deus, receba!)

No bar da esquina, conversa de balcão entre cliente e dono do bar...
- Alfredo, que sacada esse serviço de entrega de bêbados em domicílio! Coisa de primeiro mundo, acho que nem na Holanda hein!!! E de lambuja ainda deve ter aumentado a freqüência do bar em pelo menos 50%।

- É rapaz, confesso que no começo ganhei algum dinheiro, comecei sem pretensão, com um moto-bêbado apenas। E não é que deu certo!? Depois, foi crescendo, coloquei mais moto-bêbados até que tive que comprar uma “fiorino” e logo passei para as “Vans”. O “delivery” cresceu tanto que tive que comprar um ônibus, mas hoje nem assim, nem assim. Agora, por último, tive que terceirizar, o transporte já dá mais dinheiro que o bar e eu só não fecho porque um depende do outro. Corda e caçamba, sabe como é?

- Que beleza Fredão, bota mais uma aí pra mim।

- Mas não pense que é um mar de rosas não, já estou tendo alguns problemas। Pra você ter uma idéia, tive que alugar a casa aqui do lado, pra servir como ponto logístico e depósito de bêbados.

- Porque?

- Tem mulher que não quer mais aceitar o marido de volta। Acredita? Tem casos em que o moto-bêbado, ou até mesmo Vans, tem que voltar com os bêbados e ainda dar outra viagem para pegar as coisas, roupas, sapatos. Depois elas voltam só para pegar os carros e já era.

- Não me फले!

- Falo! Teve um caso, que até o cachorro do pinguço foi expulso। O pobre do cachorro nunca dirigiu, nunca bebeu e acabou pagando o pato, teve que vir embora junto com o dono. Chegou aqui no bar e fez o maior sucesso, como o dono não lembrava o nome dele, logo o apelidaram de “bafômetro”, é bafo pra cá, bafo pra lá. Hoje está por aí pelos cantos, triste, deu até para beber.

- Mas me diga, e quando esses caras acordam, o que eles falam para você?

- Não falam nada, acham graça e começam tudo de novo, tem nego que já está a dois meses nessa ciranda।

- Cara que situação...

- Pois é, tem de tudo, cada confusão...
- Imagino...

- E quando tem entrega trocada?! Hiiiii!!! Teve um caso em que dois amigos vieram juntos, se embriagaram e na hora de ir embora, um deu o endereço do outro।

- E aí? Deve ter tido o maior pau?

- Nada, estão super felizes, um com a mulher do outro। Ouvi falar que deixaram até de beber...

- Não diga...

- Digo! Teve outro engano que ainda foi mais complicado, entregamos um bêbado em um convento...

- O que aconteceu?

- As freiras não querem devolver, argumentam que foi milagre e ele está lá até hoje। Já deu até polícia pra tentar resgatar o bêbado e nada.

- Pô, que situação।

- Pois é। Estou tentando me livrar dos bêbados rejeitados de tudo que é jeito. Tenho feito várias ações para desencalhar os bêbados abandonados. Já lancei várias campanhas tipo: “adote um bêbado”, “plante uma árvore e leve um bêbado ou vice-e-versa”, “Vá beber assim lá na china, Pequim 2008”. De vez em quando consigo me livrar de um, mas para cada um que vai, voltam dez, é uma proporção ingrata. Nem Hércules cara, nem Hércules...

- Cara não me conte!

- Cara, conto! Com tudo isso, até eu perdi a mulher, tanto trabalho que nem pude mais voltar e a Henriqueta acabou me deixando e ficando com tudo, só me restou o Bar ou sei lá como isso se deve chamar agora।

- Fredão, sinto muito por você, mas deu a minha hora, têm um moto-bêbado pra me levar em casa?

- Claro, já é!

Ensaio Sobre a Bebedeira



“Se você toma, beba. Se você bebe, não dirija.”

A nova lei nº 11.705, que altera o Código de Trânsito Brasileiro e a nossa vida de uma forma radical, chegou e já está dando o que falar, e ainda vai dar muito pano para mangas. Por mais que eu queira me esquivar, passar ao largo dessa danada, não tem jeito, fui pego no contra pé e alcançado logo no primeiro dia. Não caro leitor, calma, não fui preso, nem tive minha carteira apreendida, tampouco paguei qualquer tipo de multa. Agradeço a preocupação e o carinho mas não foi isso, pelo menos por enquanto.

Explico.

Respeitando todo o sangue que já foi e é derramado a cada dia, e o drama das famílias brasileiras que fatalmente perderam pessoas queridas no trânsito, pois eu mesmo tive uma perda terrível e absurda de um tio querido, então sei muito bem como e aonde dói, não tive como não imaginar outras hipóteses que já ocorreram ou que fatalmente ocorrerão daqui para frente, muitas, nada trágicas e pelo contrário, cômicas, pois sabemos e eu mesmo já falei aqui sobre essas duas metades, que são almas gêmeas, irmãs. Entre uma e outra, dobro na esquina do riso para contar minhas estórias, pois acho que assim é mais fácil para todo mundo, inclusive para mim

Sobre este assunto penso que é quase um sistema. Observem: onde tem cachaça tem música, onde tem música tem mulher e onde tem mulher tem bêbado, em peso e medida, enchendo o saco e a cuca, querendo defender o seu, ou melhor, a sua. E a isso tudo, a essa confusão de desejos, encontros e desencontros, às vezes, morre gente é certo, mas às vezes nasce também!

Gostaria de saber aqui, quem, que não é evangélico é claro, que não nasceu disso tudo? Vamos lá, Quem? Pode levantar o dedo. Gente, todo o mundo veio disso e com o tempo, fomos perdendo a noção, a medida, o “prumo” como se diz, mas viemos disso sim. Só que agora vai acabar, talvez até tarde demais devo admitir, mas vai acabar. Digo isso porque é só o começo! Logo, logo, terá uma lei que te proibirá de beber na cidade, a pé, sentado, plantando bananeira, etc. Depois virá o golpe de misericórdia: ATÉ EM CASA, você não poderá beber! È só questão de tempo.

NNãããããooooo!

É, é sim. Não poderemos beber nem em casa, na verdade esse conceito de casa e rua também não vai existir, pois vai ter uma câmera dentro da sua casa, mas isso é outra história.

Voltando, e reforçando o grande respeito, como disse no começo, às pessoas que perderam parentes, amigos e conhecidos em acidentes de carro, pensei em várias situações que poderiam ocorrer, e o tempo nos dirá se possíveis ou impossíveis, que envolvem: jumentos, políticos, monstros, policiais, flores, crianças, bebidas, trânsito, bares mulheres, homens, bêbados ou não, que passo a contar aqui, agora...

6/25/2008

Volver

Não que ele esperasse ansioso por aquele momento, ou o contrário, que ele não tivesse nem aí para o que estava para acontecer, nem tanto ao mar, nem tanto a terra, na verdade era um pouco de cada, uma mistura de vontade, com medo de fazer o que pelas circunstâncias do momento, era inevitável. Todos nós vivemos esse momento na vida, o momento da decisão, o dia “D”, a hora “H”, como diz tal rock antigo. Na maioria das vezes, na grande maioria das vezes dá tudo certo, e essa máxima humana lhe encorajava, o fato de final dar tudo certo, lhe dava forças para seguir adiante, pois se achava o máximo e ele era humano, condição que naquele instante, que apesar do receio, fazia todo o sentido. Ser humano é mais que um conjunto de tecidos, órgãos, vasos e sangue. Ele sabia que era muito mais que isso, e ele tinha mais.

Pode parecer mais um clichê, mas agora ele fazia um balanço da sua vida com um filme preto e branco passando pela sua memória, as coisas importantes, suas pequenas perdas, o medo do escuro, o gosto por dormir a tarde e ficar acordado a noite, a paixão pela música, o distanciamento de multidão, reuniões familiares nas refeições, as animadas festas de aniversário, o hábito de contar estórias a se formar no fundo da sua personalidade e outras coisas mais que ninguém vê, mas que funciona como uma bagagem de mão da nossa alma. Na hora do pega para capar é só procurar por ali que a gente acha o caminho.

Dentro do quarto, trancado, esperava pelo chamado, pois sabia que mais cedo ou mais tarde o chamariam enfurecidos, mas dessa vez todos teriam uma surpresa, o imprevisível iria acontecer e ele faria valer o seu nome, a sua raça e a sua força. Enfrentaria seu destino de cabeça erguida porque agora estava pronto, não ontem e nem amanhã, mas agora estava pronto. Todos os seus músculos estavam tensos, tal animal selvagem pronto para o revide grotesco da luta pela sobrevivência, e era isso que ele era no fundo do seu ser: um animal sedento e selvagem.

Apesar do seu distanciamento físico e mental, dos fatos que aconteciam do lado de fora do quarto, dava para ouvir uma movimentação diferente na rotina da casa, um burburinho que às vezes explodia em choro com risadas isoladas, como se alguém estivesse tendo prazer em ver aquelas cenas, e isso o revoltava e lhe deixava mais selvagem que seu estado natural, como se ainda fosse possível. Longe ele escutou o grito de desespero de Armando, seu irmão mais velho, um grito lacerante, expressando um terrível sofrimento e nesse momento ele se sentiu o mais impotente dos homens, pois nada podia ser feito e seu irmão teria que cumprir seu destino, assim como ele em pouco tempo teria de cumprir o seu próprio. Se existisse um método, uma seqüência lógica, logo logo seria a vez dele, pois ele era o caçula de três irmãos homens, e só faltava mais um para chegar nele, o Alfredo, o que ele tinha mais afinidade.

Alfredo, apesar de ser o irmão do meio, portava-se como se fosse o mais velho, era o líder natural entre os três, foi o que primeiro beijou na boca, era o craque de bola do bairro, estudioso, bom filho e o mais bonito। No fundo, o predileto da família, mesmo que todos dissessem não, mas isso não era problema entre os irmãos, sua liderança era pacífica e merecida, e a sensação de que a próxima vítima seria ele, era a mais angustiante possível.

Lembrou de um trecho de um tango antigo sem saber porque...

“...Tengo miedo del encuentro
con el pasado que vuelve
a enfrentarse con mi vida

tengo miedo de las noches
que pobladas de recuerdos
encadenan mi soñar

pero el viajero que huye
tarde o temprano detiene su andar

y aunque el olvido que todo destruye
haya matado mi vieja ilusión

guardo escondida una esperanza humilde
que es toda la fortuna de mi corazon...”


Ao final da lembrança, escutou todo o silêncio da tarde sendo rasgado pelo grito do Alfredo e, percebeu que esse era o aviso e essa era a hora. A vida estava acontecendo a toda do lado de fora do quarto e ele não podia ficar de fora dela nem mais um segundo. Abriu a porta do quarto e encarou silenciosamente os dois homens de uniforme que estavam a sua frente, pensou que diferentemente das outras vezes, hoje eles estavam em dupla e deviam ter seus motivos. Talvez temessem pela própria segurança e isso não tinha a menor importância, o que importava mesmo é que estavam ali, sérios, uniformizados e truculentos. O mais novo, pois não devia ter nem vinte anos aquele rapaz, foi quem tomou a iniciativa abrindo a bolsa e retirando a lâmina de dentro. A família toda sentada, apreensiva, esperando pela reação dele, já não agüentava mais tanto sofrimento quando o pai rompendo com o silêncio falou calmamente:

- Vai filho, anda, o fura dedo não tem o dia todo...

6/20/2008

Sentimental

Oi Preta,

Hoje eu acordei muito feliz pelo dia de hoje, por saber que há... quer dizer, é melhor omitir a idade né? Bem, alguns, não muitos, anos atrás, você nascia nas nossas vidas – minha, do Papai e da Mamãe – para transformar totalmente nossas formas de viver, de ver o mundo e a nossa convivência de uma forma geral.

Já lhe falei uma vez, mas talvez você não lembre, você nasceu no mesmo dia que o Chico Buarque nasceu. Tem até uma música chamada “Sentimental” em que ele faz uma referência ao signo de gêmeos, signo de vocês dois, seu e do Chico. “Chic” nascer no mesmo dia do Chico, não é para qualquer uma e isso realmente você não é, e nem ele.

“...sentimental, sentimental
um coração saliente
bate e bate muito mais que sente
Fica doente
Mas é natural, natural
Que num cochilo de agosto
Surja um outro alguém do sexo oposto...”

Conhece?

Então, eis você surgiu preta! Na época, confesso, não fiquei tão feliz não, pois ser filho único tem o seu conforto e suas conveniências, e você realmente chegou para dividir comigo essa situação, e tudo e todos que me cercavam. Ao longo da gravidez da mamãe, sempre tinha um “filho da puta” que dizia coisas do tipo: “agora quero ver”, “tua mãe vai esquecer de você”, “você vai ficar no canto” e outros mal caratismos mais, que só os adultos são capazes de cometer no afã de serem engraçados, coisas que eu apesar de criança, pois tinha 06 anos, sabia que bom não devia ser.

Só que misteriosamente foi! E é! E espero que seja até o final das nossas vidas! E que o final das nossas vidas aconteça bem lá pro final mesmo, perto do fim.

Tenho muitas recordações da nossa vida em comum, muitas mesmo, quer ver? Eu lembro dos móveis do nosso quarto, todos em branco e laranja, lindos. Lembro da cortina com motivos de “cowboy”, cavalinhos, vaquinhas. Isso tudo na Vileta onde morávamos. Depois mudamos para Travessa Mauriti, e aí tivemos quartos separados, mas brincávamos uns com os brinquedos dos outros. Você lembra da vaquinha “mú-múúuuu”? Você lembra o que você disse ao Padre João quando ele disse que, em baixo estavam os peitos da vaca? Eu lembro muito bem: - Não padre, isso não são os peitinhos, isso é o “tú” da "vata"! Quase a mamãe morre de vergonha e eu e o Padre de rir.

Na época você era graciosamente “tati-bi-tati”. Taí, esse foi apenas um dos privilégios que você teve, ser “tati-bi-tati”. Eu não podia, tive que aprender falar direito e logo, pois a mamãe tinha medo que eu virasse veado e marcava em cima, colado...

Depois mudamos novamente, pois ainda não tínhamos casa própria e ficávamos ciganeando, sempre pela pedreira, bairro que habita minhas lembranças noite após noite. Dessa vez, fomos para a Travessa Lomas Valentinas, e voltamos a dividir o mesmo quarto, quarto que abrigava sua casinha de pano do Sítio do Pica Pau Amarelo, onde durante um certo tempo, colocávamos um abajur dentro e dormíamos lá mesmo...

Bons tempos!

Por último mudamos para a travessa Humaitá e voltamos a ter quartos separados novamente, eu, você, enfim, nós “adolescemos” e de certa forma nos distanciamos ligeiramente, mas por minha causa, que estava ficando rapazinho e já era metido a homem, mas sempre nos amando, silenciosamente do jeito dos adolescentes.

Hoje, dia 19 de junho de 2008, dia do seu aniversário, estamos dormindo em quartos separados novamente, dessa vez, a vida nos distanciou um pouco mais do que de costume, pois estamos em cidades, na verdade, em estados diferentes, mas misteriosamente, você está mais presente na minha vida do que nunca.

Preta, nos momentos difíceis, queria que você soubesse que, dentro da minha memória e do meu coração, há um quarto só nosso, cheio de vaquinhas, casinhas do “sítio”, cortinas de bichinhos, com móveis branco e laranjado esperando por você. Vai lá quando quiser tá?!

Te amo,

Jorge Carvalho.



6/14/2008

E o espelho não quebrou

As noites de sexta-feira, têm se repetido iguais, em forma em conteúdo. Depois das 22 e duas horas, filho e mulher dormindo, um dentro da outra, vivendo uma história à parte, quase um mundo paralelo, distantes e alheios dos escândalos políticos da hora, do último assassinato chocante, da inflação que chega cada vez mais descarada...

Nesses momentos, apesar de só fisicamente, tento me defender e parto em busca do mundo, afinal, concordo com John Donne:

“nenhum é uma ilha, sozinho em si mesmo, cada homem é parte do continente, parte do todo; se um seixo for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se fosse um promontório, assim como se fosse uma parte de seus amigos ou mesmo sua; a morte de qualquer homem me diminui, porque eu sou parte da humanidade; e por isso, nunca procure saber por quem os sinos dobram, eles dobram por ti”....

Então, nessas horas “medonhas” (como se diz aqui no Ceará), corro no computar, revisito meus livros, ouço músicas e lembro por lembrar, vasculho a memória e quando nada disso dá certo, corro à televisão, a grande fogueira moderna, a resposta para todos os males e a causa da maioria deles.

Nesta sexta em particular, tive o grande prazer de, no programa “conversa afinada”, conhecer um pouco do Diogo Nogueira, filho do grande e saudoso, João Nogueira, sambista, compositor e cantor da maior categoria. Autor de clássicos como “Batendo a porta”, “Eu Hein! Rosa”, “Baile no elite” e outras “balas” mais.

Dono de uma forma ímpar de cantar samba, João Nogueira tinha a voz bem empostada e firmei, voz de quem canta a verdade, não falo da verdade absoluta, que ninguém tem, mas a verdade de si mesmo, que poucos tem. Saudades do “Nogueira”, mas apesar de tudo, como diria o próprio, “força nenhuma cala a voz da multidão” e hoje, nesta sexta feira vazia, eu sou essa multidão, multidão talvez mais perigosa porque de um homem só! Mas tudo na vida, tanto as pequenas, quanto as grandes coisas começam com homem só.

Enfim, vi o moleque. E que moleque! Faço questão de repetir:

...A vida, é mesmo uma missão,
a morte é uma ilusão,
só sabe quem viveu,
pois quando o espelho é bom,
ninguém jamais morreu...

Este caso bate, mas de uma forma diferente, com aquela estória da vida eterna, que no fundo todos nós, até os mais céticos, acreditamos e queremos, mas é diferente porque esta vida eterna falada aqui, é horizontal e não vertical. Vida eterna que não vai aos céus e sim prossegue na terra, cantando e encantando, pois o moleque segue assim, com seu jeito igualmente firme de cantar, sua simplicidade, seu jeito meio “blasé” de ser, continuando a missão do pai em grande estilo.

Quem já viu, observe melhor. Quem não conheceu, conheça por que o espelho não quebrou!

6/11/2008

CHERAVALDO EM : O FIM DE CHERAVALDO E O INÍCIO DE PEDRO


Estava ficando cada vez mais inquieto e agitado quando soube do dia 31 de julho de 2008. Essa data sempre me pareceu simpática, pois significava que as férias escolares tinham acabado e no outro dia iríamos para aula, não que eu gostasse de ir a escola, de aulas, de estudar, pelo contrário, sempre fui malandro em se tratando desses assuntos e ainda era caseiro, sempre preferir a segurança do lar à selvageria das ruas, mas devo confessar que ficava ansioso para reencontrar com os colegas, a namorada que nem sabia que eu existia, e todas as coisas mais dessa fase: futebol em todas as etapas do período, na entrada, no recreio e na saída. O lanche impagável vendido pelo seu Godô na cantina da escola Kennedy, que entre cachorros-quentes e "cocas", continha uma verdadeira jóia em seu cardápio: paçoca de gergelim com amendoim, vendida em copinhos de café. Impossível comer uma só... Geralmente, iam para dentro três ou quatro, rapidinho, torradinhas, crocantes, misteriosas. Quem estudou lá, sabe muito bem do que eu estou falando, e quem não estudou, sinceramente sinto muito pois, a escola não existe mais, tampouco o seu Godô, que naquela época já era velho e cansado.

Ao final de cada dia de aula, eu e minha irmã, íamos lá para frente da escola, esperar o papai que, diariamente chegava com pelo menos uma hora de atraso em seu Wolksvagem Brasília, motor 1.600, de cor branca. Sabe como é, diretor financeiro de um órgão público, funcionário exemplar e cuidadoso com suas obrigações, então não tinha jeito, nos acostumamos com o horário e até que era bom, pois além da companhia dos amigos que morava por perto, que se solidarizavam e ficavam esperando, conversando com a gente, descobrimos uma combinação alimentar perfeita: laranjinha da gelar acompanhada de pipoca quentinha com bastante sal e manteiga. Hoje, da gelar, resta apenas o depósito com suas gigantescas câmaras frigoríficas localizado na avenida Senador Lemos, quase em frente a casa de shows A pororoca e a lembrança que eu tenho das laranjinhas, picolés e seus sabores genuínos, amazônicos: taperebá, cupuaçú, açaí, bacuri etc.
O dia 31 de julho me remete a essas e outras coisas mais, me transportam ao primeiro filme do super-homem visto em companhia do papai no “Paraíso”, um cinema situado na avenida Pedro Miranda que enquanto rolava o filme, os morcegos ficavam flanando bem à vontade pelo salão, me remete também ao primeiro “kichute” que eu ganhei e usava amarrado nas finas canelas, ao uniforme azul turquesa da escola John F. Kennedy, a inseparável companhia da minha irmã. Traz para a minha memória o fim da temporada de empinar papagaios que por si só, merece um capítulo à parte, tal a riqueza do vocabulário e o fascínio exercido em crianças e em adultos que se perdiam no tempo dando laços por aí, “armados” com tubos de linha encerada, papagaios, cangulas, rabiolas, que com suas cores expressas em papel seda ornavam as tardes de Belém.

O dia 31 de julho de 2008 é o prazo máximo, a data limite para o nascimento do meu filho e essa data chegou na hora em que eu escolhi o nome do moleque. Conversando com minha mãe sobre esse assunto, disse que estava pensando em chamar o menino de Pedro. Minha mãe ouviu atentamente e aprovou a escolha, argumentando que além de bonito, a escolha ia de encontro com uma dívida que ela achava ter com o santo de mesmo nome, já que eu nasci dia 29 de junho. Contando para a minha filha a notícia, esta foi mais objetiva, menos mística e totalmente direta, instinto natural nas crianças que não sei porque, no caminho da velhice fica perdido em qualquer canto.

- Pai, se o meu nome é Pietra, é claro que o do meu irmão tem que ser Pedro! Hããaa?!

Levando em consideração a elipse da minha existência, mãe e filha, que apesar dos diferentes motivos, concordaram com o mesmo resultado, não tenho nada mais a acrescentar sobre esse assunto.

Assim, saibam todos, que no mês de julho de 2008 nascerá, Pedro Coragem de Carvalho!